terça-feira, 28 de julho de 2009

Palavras além das histórias

Mais do que uma história bem contada, observo, em cada leitura, a forma como os autores se expressam. Às vezes, leio e releio a mesma frase, trecho, parágrafo para absorver as palavras. Quando estou com disposição, chego a grifar alguns desses trechos. E hoje, abri alguns livros rabiscados e decidi colocar aqui esses pedaços de páginas que encataram (e ainda encantam) meus olhos. Alguns deles, vão além: mudaram a minha forma de encarar algumas coisas. Seguem:

(Ordenar a biblioteca é exercer, de modo silencioso e modesto, a arte da crítica.)
Jorge Luis Borges, em Elogio da Sombra

(Também os homens podem prometer, porque na promessa há algo imortal)
Idem

"Diante de algumas pessoas, é imperioso fingir-se de idiota para que não nos tomem por idiota"
Julio Cortázar, em Diário de Andrés Fava

"Eu era o único eu"
Clarice Lispector, em A Legião Estrangeira

"E não quero formar a vida porque a existência já existe. Existe como um chão onde nós todos avançamos. Sem uma palavra de amor. Sem uma palavra. Mas teu prazer entende o meu. Nós somos fortes e nós comemos. Pão é amor entre estranhos."
Idem

"Amor é quando é concedido participar um pouco mais"
Idem

"Tu estavas, avó, sentada na soleira da tua porta, aberta para a noite estrelada e imensa, para o céu de que nada sabias e por onde nunca viajarias, para o silêncio dos campos e das árvores assombradas, e disseste, com a serenidade dos teu noventa anos e o fogo de uma adolescência perdida: 'o mundo é tão bonito e eu tenho tanta pena de morrer'. Assim mesmo. Eu estava lá."
José Saramago, em As Pequenas Memórias

"As mãos são dois livros abertos, não pelas razões, supostas ou autênticas da quiromancia, com as suas linhas do coração e da vida, da vida, meu senhores, ouviram bem, da vida, mas porque falam quando se abrem ou se fecham, quando acareciam ou golpeiam, quando enxugam uma lágrima ou disfarçam um sorriso, quando se pousa sobre um ombro ou acenam um adeus, quando trabalham, quando estão quietas, quando dormem, quando despertam..."
José Saramago, em As Intermitências da Morte

"Portanto, não vos inquieteis com o dia de amanhã, pois o amanhã trará os seus cuidados; basta ao dia o seu próprio mal."
Mateus 6. 34

"Minha mãe não dispunha dessas vantagens. E com certeza se amofinava, coitada, revendo-se em nós, percebendo cá fora, soltos dela, pedaços da sua carne propícia aos furúnculos. Maltratava-se maltrantando-nos."
Graciliano Ramos, em Infância

"....porque as palavras só estão feitas para expressar-se a si mesmas, para expressar o dizível, quer dizer tudo exceto o que nos governa ou faz viver..."
Javier Cercas, em Soldados de Salamina

* Teremos mais posts com mais trechos, no futuro. (Daniela Diniz)

segunda-feira, 27 de julho de 2009

O Blog Impresso de Saramago

José Saramago é um escritor de sucesso tardio. Apesar de ter publicado seu primeiro romance aos 25 anos ­– ao que se seguiram obras de poesia e, em 1980, o livro já em estilo "saramaguiano" Levantado do chão –, o reconhecimento de crítica e público só bateu às portas do escritor português quando publicou o belíssimo Memorial do Convento, aos 60 anos de idade. Talvez exatamente por isso Saramago sentiu que, mesmo com 87 anos, não era tarde para aventurar-se na blogosfera, onde publica posts desde setembro no endereço http://blog.josesaramago.org.
A experiência, que mescla considerações sobre informações do dia, apreciações dos trabalhos de outros artistas e relatos pessoais, não se limitará ao mundo virtual. Uma seleção de textos postados durante seis meses (de setembro do ano passado a março deste ano) acaba de ser publicada no Brasil com o título de O Caderno – com a segunda seleção de posts sendo prevista para sair em setembro, em Portugal. O que leva à pergunta: Por que publicar em obras impressas o que o leitor pode adquirir gratuitamente na internet? Ao jornalista Ubiratan Brasil, de O Estado de S. Paulo (edição de 25 de julho), Saramago respondeu: "Tal como o conhecemos, o livro terá ainda uma longa vida. Uma biblioteca é um lugar especial, os livros são os homens e as mulheres que os escreveram. Estar numa biblioteca é estar acompanhado." (Leda Balbino)

terça-feira, 21 de julho de 2009

A arte de dar livros


Hoje fui incumbida de uma missão: comprar um presente para o chefe do meu marido. Já havia pensado num bom presente, o excelente CD Mi Buenos Ayres Querido, de Daniel Baremboim. Descobrimos, porém, que ele já tem. Não tive outra escolha a não ser pensar no melhor presente dos mundos: um livro. Melhor no sentido prático: é fácil, dificilmente é caro e, geralmente, agrada. Mas aí vem o desafio -- qual livro escolher? Eu tenho um cuidado extremo ao presentear amigos com livros. Quem ama livros sabe do que estou falando. Em primeiro lugar, gosto de dar aquilo que já li. Comprar um livro no escuro é o mesmo que dar uma blusa tamanho extra grande para um pessoa minúscula. Não dá. Costumo chamar isso de Síndrome de Chico Buarque. Basta o compositor lançar uma obra, ela vira opção número 1 na lista de presentes. Em segundo lugar, analiso não apenas o que eu gosto mas sim se a obra vai agradar meu presenteado. Nem todo mundo está disposto a ler Fernando Pessoa, por exemplo. E aí equilibro as coisas. Se o livro foi bom para mim e se poderá ser bom para aquele perfil. Fecho a conta assim. E foi assim que escolhi Desonra, de JM Coetzee para o chefe do meu marido. Além de ser um dos melhores livros da literatura contemporânea que já li, tem o perfil do aniversariante. Sempre salva também o selinho milagroso de troca. Afinal, às vezes você acerta tanto que seu presente já está na estante de quem vai recebê-lo. (Daniela Diniz)

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Processo de Escrita




Quando era mais nova, adolescente, sentia-me quase sempre inspirada. Os dramas do amor platônico eram uma infinita fonte de ideias para textos lamurientos, cheios de autocomiseração. Também havia o “ócio criativo”, como bem classificou o italiano Domenico De Masi. Com a única obrigação de estudar, me sobrava tempo para digitar – ou, inicialmente, bater à máquina – meus textos, imprimi-los e arquivá-los em pastas, que guardo até hoje. Mas com o passar do tempo e o acúmulo de funções (e preocupações), posso confessar que minha inspiração escasseou. Meu processo de escrita atualmente é bem lento. Geralmente fico dias com uma ideia na cabeça – que pode ser a primeira frase de um texto, seu título ou sua concepção geral –, até que possa colocá-la no papel. Às vezes, claro, acontece de ela me bater de repente e com força, então tenho de sentar sob o risco de, se não o fizer, deixá-la escapar. Às vezes me questiono como é o processo de escrita dos grandes autores, principalmente considerando-se seu trabalho de escrever livros, e não meros textos curtos. Quanto há de inspiração? Quanto há de transpiração? O português José Saramago parece se deixar levar – é o livro, e a história, que o dominam; ela se escreve por meio dele. Já o colombiano Gabriel García Márquez é um estrategista: ele planeja o livro todo com antecedência; sabe seu início, meio e fim. Quem leu a obra-prima “Cem Anos de Solidão” saberá o que digo. Márquez parece ter em parte a mesma filosofia que o pernambucano João Cabral de Mello Neto. Conhecido como “arquiteto da poesia”, uma vez ele foi questionado: “Você nunca escreve inspirado?” Ao que respondeu: “Sim”, para imediatamente completar: “Mas depois jogo fora.” (Leda Balbino)

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Memória Preservada

Com sua figura diminuta, a escritora chinesa Xinran mal foi percebida quando entrou no estúdio de gravação do programa Roda Viva, da TV Cultura, no dia 8. Meus olhos bateram nela sem querer, ainda atordoados pelos outros sentidos, que tentavam se acostumar à balbúrdia das câmeras, holofotes, passagem de som, posicionamento de microfones, TVs atuando como espelhos e meu próprio pensamento obcecado em memorizar as perguntas que gostaria de fazer. Quando ela finalmente levantou a cabeça para terminar seu cumprimento à bancada de entrevistadores, seus olhos perceberam a distração geral, mas esta durou só até o momento em que ela se sentou e compartilhou sua história. Xinran não escreve ficção. A escrita a que se entregou desde 1997, quando se mudou para Londres para esquecer os fantasmas da Revolução Cultural (1966-1976), tem o objetivo de preservar a memória da população chinesa - e, consequentemente, a versão extraoficial da história cultural, comportamental e política de seu próprio país. Seu livro de estreia, "As Boas Mulheres da China", é uma mescla de sua biografia com as vidas de chinesas cujos dramas lhe foram primeiramente relatados em cartas enviadas a um programa de rádio. Apresentado por Xinran durante sete anos (1988 a 1995), o "Palavras na Brisa Noturna" chegou a receber diariamente mais de 200 cartas de ouvintes que aceitaram o convite de discutir a situação da mulher na China moderna. As cartas foram o estímulo de que a autora precisava para empreender jornadas pelo seu país, compilando relatos de pessoas comuns para dar origem a outros livros, como "Enterro Celestial" e "Testemunhas da China", lançado neste ano no Brasil. Apesar de viver no Reino Unido, Xinran frequentemente visita seu país natal. "Como trabalhar com algo tão passível de incoerências e contradições como a memória? Como obter o relato preciso?", perguntei à autora. Xinran, que só escreve em chinês - "porque preciso escrever na voz dos chineses, da maneira como falam" -, respondeu que seu termômetro é a emoção. "Quando ficam verdadeiramente emocionados, é sinal de uma memória profunda", afirmou. Há alguns anos, ela deu outra dica sobre seu método de trabalho, confidenciando que a disposição de ouvir e de confrontar sua própria história são a base para conseguir os testemunhos de seus livros. "Relato minha vida e deixo que sintam que sou um deles. Passo tempo aprendendo uma vida diferente da minha. Enquanto me ensinam, me dizem 'como, onde, por quê, quem e o que' de suas experiências pessoais. Ouvir me ajudou a conseguir vários amigos fiéis."

Obs.: Xinran esteve no Brasil para participar da Festa Literária Internacional de Paraty. O programa Roda Viva ainda não tem data para ir ao ar. (Leda Balbino)

Os livros essenciais

A Bravo! reeditou recentemente as listas dos 100 livros essenciais da literatura mundial e também os 100 mais da literatura brasileira. Por mais polêmica que qualquer ranking possa trazer, ignorá-los é fingir um certo descaso. Tom Campbell, diretor da escola de negócios de Berkeley, ligada à Universidade Califórnia, nos Estados Unidos disse certa vez sobre os rankings que classificam os melhores MBAs daquele país: "qualquer um que disser ignorar os rankings não está dizendo a verdade". Acredito nisso. Todos gostamos de saber quem ou quais são os escolhidos entre tantos. Podemos criticá-los, discordar da escolha (e até desconfiar) mas jamais ignorar. Sendo assim, folheei as 200 indicações da Bravo! e posso dizer que serve como um bom guia para quem não sabe por onde começar. Não é preciso seguir a sequencia exata, mas pinçar aquele que o resumo (em cada página) chama mais atenção é um exercício bem prazeroso. Há clássicos até não poder mais e confesso que senti uma certa agonia ao ver que faltam muitos ainda para eu ler (muitos que estão há anos bem comportados na minha estante). Mas se Borges sentia a mesma coisa cada vez que entrava numa livraria, ok, eu também posso. Ao ler as listas, acelerei meu processo delicioso de busca pelo novo título (sim, eu finalmente acabei Sobre a Beleza). O livro que escolhi? O Retrato de Dorian Gray (uma edição de bolso que tinha na estante), de Oscar Wilde. O livro figura na 60ª posição na lista, o que, na verdade, pouco importa. Mas se você ficou curioso para saber quem são os dez primeiros, tudo bem, aqui vão duas listinhas para você: as dos eleitos brasileiros e os clássicos mundiais. Boa leitura. (Daniela Diniz)

Literatura Mundial
1º Ilíada (Homero)
2º Odisseia (Homero)
3º Hamlet (William Shakespeare)
4º O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de La Mancha (Miguel de Cervantes)
5º A Divina Comédia (Dante Alighieri)
6º Em Busca do Tempo Perdido (Marcel Proust)
7º Ulisses (James Joyce)
8º Guerra e Paz (Leon Tolstói)
9º Crime e Castigo (Fiódor Dostoiévski)
10º Os Ensaios (Michel de Montaigne)

Literatura Brasileira
1º Memórias Póstumas de Brás Cubas (Machado de Assis)
2º Dom Casmurro (Machado de Assis)
3º Vidas Secas (Graciliano Ramos)
4º Os Sertões (Euclides da Cunha)
5º Grande Sertão: Veredas (Guimarães Rosa)
6º A Rosa do Povo (Carlos Drummond de Andrade)
7º Libertinagem (Manuel Bandeira)
8º Lavoura Arcaica (Raduan Nassar)
9º A Paixão Segundo G. H. (Clarice Lispector)
10º Macunaíma -- O Herói Sem Nenhum Caráter (Mário de Andrade)

terça-feira, 14 de julho de 2009

15 Minutos com Llosa

São 15 minutos até o trabalho. Nesse trajeto de ônibus até o Estadão um livro sempre me acompanha. São 15 minutos só para mim, sem ter de me preocupar com nada além de ler palavras que me dizem tanto. Atualmente leio “La Ciudad y los Perros”, o primeiro livro publicado de Mario Vargas Llosa. A obra, que o escritor peruano levou três anos para concluir, descreve a dura rotina do Colégio Militar Leoncio Prado. Um misto de ficção com um quê autobiográfico, o livro narra a experiência de vários estudantes no colégio e também suas vidas fora dele, com seus conflitos familiares, a transição da infância para a adolescência, a busca do amor. Ao longo das 444 páginas da edição espanhola da Punto de Lectura, o leitor vai percebendo como Llosa é um estrategista: a história não lhe surge de inspirações espontâneas, mas de um provável planejamento contínuo, em que antecipa a conseqüência para só nos contar a causa páginas depois. É um prazer lê-lo e descobri-lo página por página, letra por letra – e por diálogos que recorrem ao não dito para se fazer ouvir. E é ainda um prazer maior ler “La Ciudad e los Perros” por saber, pelo prólogo do próprio autor, que esse é o livro que o encorajou a perseverar na escrita e presentear seus leitores mais tarde com títulos como “A Festa do Bode”, “Pataleón e as Visitadoras”, “Conversa na Catedral”. Nas palavras do próprio Llosa: “Este é o livro que me deu mais surpresas e graças ao qual comecei a sentir que se fazia realidade o sonho que alentava desde as calças curtas: chegar um dia a ser escritor”. (Leda Balbino)

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Um ranking próprio

Quando eu tinha doze anos, comecei a rabiscar em uma folha de caderno todos os livros que havia lido naquele ano. Fiz isso nos anos seguintes, sempre com o objetivo de aumentar um título a cada ano. Infelizmente, as folhas de caderno se perderam e eu só voltei a -- digamos -- catalogar meus livros em 2000, no meu último ano de faculdade. A partir daí, comecei a criar -- num arquivo em Excel -- uma planilha com todos os livros que li. Funciona assim: na primeira coluna, o nome do livro; na segunda, o autor; na terceira, a nacionalidade do autor; na quarta, o gênero do livro (romance, contos, crônicas etc); na quinta, o nome de quem me deu o livro (se eu mesma comprei, também deixo escrito) e, por fim, a minha avaliação do título, que vai de uma a cinco estrelas. Pode parecer um pouco sistemático, mas isso é mais uma forma de me autoconhecer. Por meio da lista, percebo o quanto acabo pendendo para um lado (por um autor, por um gênero, por uma -- até! nacionalidade). É bom também para aguçar a memória em discussões literárias. O que mesmo me fez gostar tanto de Ensaio sobre a Cegueira e detestar A Caverna, de Saramago? A próxima coluna da minha planilha vai conter algumas dessas observações e, quem sabe, algumas das mais belas expressões pinçadas dos títulos que me escolhem. Sim, acredito nisso. Não sou eu quem determino as esolhas. São os livros -- desde os meus seis anos -- que me escolhem e me convidam. Fica aqui a sugestão para quem quer organizar suas leituras e aprender um pouco mais de si mesmo pelas palavras que nos cercam. (Daniela Diniz)

quarta-feira, 8 de julho de 2009

A mãe de Obama




Meu marido, o também jornalista Marcelo Cabral, gostou tanto da ideia de um blog sobre literatura e coisas afins que quis dar sua contribuição. Aí vai.

Para quem se interessa pelo chamado jornalismo literário, eis uma indicação para tempos de Gay Talese no Brasil. É The History of a Mother, de Amanda Ripley, publicado originalmente na Time em abril de 2008 e lançado no Brasil no caderno especial da PubliFolha sobre Barack Obama – aliás, uma beleza de edição, com papel de primeira e uma seleção fotográfica espetacular. No trabalho, Ripley defende que a influência multicultural da mãe de Obama ajudou a moldar a personalidade do presidente americano. Como diz a autora, “Cada um vive uma vida de verdades contraditórias. Não somos uma coisa ou outra. A mãe de Barack Obama foi pelo menos uma dúzia de coisas”. Stanley Ann Duham – nome de homem, porque o pai queria um rebento ­– esteve longe do estereótipo da classe média vinda dos fundões dos Estados Unidos: casou-se duas vezes – uma vez com um queniano e outra com um indonésio –, completou a faculdade enquanto recebia o vale-alimentação do governo e trabalhou para a Fundação Ford na Indonésia, lidando com os problemas sociais das mulheres do país. Mais tarde, receberia um Ph.D em antropologia. Ripley mostra que toda essa bagagem maternal produziu um impacto profundo em Obama. Por um lado, a falta de raízes causou uma certa carência no futuro presidente – que ele próprio reconhece em sua autobiografia. Por outro, ajudou de modo decisivo em sua carreira política: “Quando Barack Obama descobre como comover uma multidão de pessoas diferentes dele, ajuda ter uma mãe que olhava para diferentes culturas com a admiração com que outras pessoas estudam pedras preciosas”, conclui. O livro, com o artigo e a cobertura traduzida completa da revista sobre o caminho de Obama até a Casa Branca, pode ser encontrado aqui (http://publifolha.folha.com.br/catalogo/livros/136377/) por R$ 34,90. (Marcelo Cabral, marido de Leda Balbino)

segunda-feira, 6 de julho de 2009

A beleza do simples

Faltam umas 130 páginas (das 442) para eu acabar o romance de Zadie Smith, Sobre a Beleza (Cia. das Letras). Poderia já ter terminado há tempos se não fosse 1) a minha preguiça; 2) o excesso de descrições desnecessárias do livro. A história não é fraca mas o embate intelectual de dois professores de arte está longe de prender o leitor. Pior são as descrições de tudo. Uma clara tentativa da autora de provar sua própria intelectualidade, cultura e poder em dominar as palavras. Na minha opinião, ela erra ao abusar (e põe abuso nisso) das metáforas. Se diminuísse as comparações desnecessárias, o livro conseguiria facilmente ter metade de suas páginas (e ganharia o dobro da atenção do leitor). Dá vontade de editar o livro e, com essa vontade, você acaba se irritando a cada nova descrição como "os galhos nodosos de árvores centenárias, os telhados enrugados dos galpões, o brilho âmbar ostentoso das lâmpadas de halogênio". Agh! Estou louca para chegar na página 442 (porque, como princípio, não largo livro nenhum pela metade). Mas, como sempre, aprendi mais uma lição da literatura: como é belo ser simples. Não há nada como as palavras que falam por si sem precisar de muletas para suportar seus pesos. (Daniela Diniz)

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Meu encontro com Mia

Há uma semana deixei a redação mais cedo: pouco antes das 19h. O objetivo era chegar à Livraria Cultura e pegar o autógrafo do Mia Couto. Cheguei atrasada para o bate papo dele mas a tempo de enfrentar a fila de mais de uma hora para ter sua assinatura na página inicial do ali lançado Antes de Nascer o Mundo (Cia. das Letras). Estive em frente ao mito. Mia para mim é mito. Desde que o descobri recentemente nos seus fios de missangas (com os dois SS do português de Moçambique). Mito porque me lembra Guimarães e consegue como poucos, pouquíssimos a traduzir tudo em português perfeito. De camisa azul e pulôver, ele distribuiu autógrafos, sorrisos e posou para fotos. Quando chegou minha vez, não consegui dizer muito. Não consegui dizer nada, além de um obrigada quando ele sorriu, ao me entregar o livro já autografado. Já era demais. Estive em frente àquele que um dia pode vir a ser um Nobel (mais um de nossa língua). Estive em frente ao Mito, a Mia, àquele que, depois de tantos autores, livros e anos, me fez sentir novamente a sensação de que é possível sentir tudo por meio da linguagem escrita. Saí de lá feliz com meu pequeno troféu. Ainda que ele tenha escrito apenas meu nome, um beijo e assinado algo quase ilegível. Mas foi ele. É ele. Para sempre (Daniela Diniz)

quarta-feira, 1 de julho de 2009

A origem das palavras (e do blog)


Durante uma rara entrevista concedida ao jornal O Globo, pouco antes de falecer, Clarice Lispector respondeu ao jornalista José Castello o que a levava escrever. A resposta foi simples e profunda. “Vou lhe responder com outra pergunta: - Por que você bebe água?”. Castello responde “Por que bebo água? Porque tenho sede.” E é aí Clarice completa: “Quer dizer que você bebe água para não morrer. Pois eu também: escrevo para me manter viva.” Arrisco dizer que essa é origem das palavras (das melhores palavras, ao menos). Elas surgem da necessidade de traduzir fatos, sentimentos, imaginação em algo concreto. Nascem da sede de criar. Eu e a Leda, jornalistas que vivem da palavra escrita, vivemos sedentas. Ela foi parar no jornalismo diário; eu, no jornalismo de revista. Embora adoremos as palavras que imprimimos, que editamos ou que pautamos, temos sede de outras palavras. Durante muitos anos, deixamos nossos textos em gavetas, em agendas, em pastas de plástico que se transformaram em pastas particulares de computador. Durante poucos anos, decidimos trocar nossos textos, apenas entre nós. E agora nos sucumbimos ao mundo da Internet e iremos mostrar a outros olhos um pouco das nossas palavras. O blog prentende não apenas trazer nossos textos, mas também falar dos textos dos outros, dos livros que lemos e do incrível e ilimitado mundo da literatura. Que assim seja e que você possa encarar cada post como um instante literário do seu dia. (Daniela Diniz)