terça-feira, 27 de outubro de 2009

As respostas de Llosa

O ensaio de Mario Vargas Llosa (Em Defesa do Romance) na última edição da Piauí foi um dos melhores textos que já li nos últimos meses. Um alívio para os olhos infectados depois da última reportagem rasa e estúpida da Galileu. Lá, além de um texto delicioso, encontrei várias respostas para nossas últimas indagações presentes aqui. Ele defende – não só o romance – mas a literatura em geral. Defende, sobretudo, as palavras. Sabe aquela história de que ler um livro não é mais fundamental? Llosa tem uma resposta à altura: “Uma pessoa que não lê, ou que lê pouco, ou que lê apenas porcarias, pode falar muito, mas dirá sempre poucas coisas, porque para se exprimir dispõe de um repertório reduzido e inadequado de vocábulos. Não se trata apenas de um limite verbal; é, a um só tempo, um limite intelectual e de horizonte imaginário, uma indigência de pensamentos e de conhecimentos, porque as ideias, os conceitos, mediante os quais nos apropriamos da realidade e dos segredos da nossa condição, não existem dissociados das palavras, por meio das quais as reconhece e define a consciência. Aprende-se a falar com precisão, com profundidade, com rigor e agudeza, graças à boa literatura, e apenas graças a ela.” Depois disso tudo, dá vontade de calar. Eu não precisaria ler mais nada mas o ensaio não acaba aí. Ele também tem uma resposta magnífica para a discussão sobre a morte do livro pela tecnologia. “Pode o monitor substituir o livro em todos os casos, como afirma o criador da Microsoft? Não estou seguro disso. Digo isso sem negar, de modo algum, a revolução que no campo das comunicações e da informação representou o desenvolvimento de novas técnicas (...); mas daí a admitir que a tela eletrônica possa substituir o papel no que concerne às leituras literárias há uma lacuna que não consigo preencher. Simplesmente não sou capaz de aceitar a ideia de que a leitura não funcional nem prática, a que não busca uma informação nem uma comunicação de utilidade imediata, possa conviver na tela de um computador com o sonho e com a fruição da palavra, gerando a mesma sensação de intimidade, a mesma concentração e o mesmo isolamento espiritual do livro.” Enquanto o livro representar sonho, intimidade e provocar o isolamento fundamental, ele viverá, independentemente de telas frias, objetivas e públicas. Foi a melhor resposta que encontrei para o atual dilema, que me deixou sem mais palavras. (Daniela Diniz)

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

A Poesia, por Ferreira Gullar


Antes de escolher o jornalismo, as palavras me escolheram, e foram elas, por fim, que me incitaram o desejo de ter como ofício a escrita nas redações. Sempre li os jornais de trás para frente, pois, além da literatura, o que sempre me interessou mais foi a área de internacional - na qual trabalho há quase sete anos. Mas sempre fica essa ponta de dúvida se não seria mais feliz cobrindo cultura em um caderno ou revista quaisquer. Essa vontade me bateu novamente no dia 16, quando li o número 2 do semanal Outlook, do novo jornal Brasil Econômico. Textos bem escritos, temas menos áridos do que os conflitos afegão, iraquiano e entre Israel e palestinos, e como desfecho uma entrevista-pérola com o poeta Ferreira Gullar. Deve ser uma experiência interessante entrevistar um escritor. Você não precisa ter um conhecimento prévio do ano histórico da assinatura histórica de um acordo histórico para a paz mundial. Basta saber a vida daquele autor, ter-se deliciado previamente com algumas de suas obras e deixar à flor da pele a sensibilidade necessária para saber ouvir alguém de sensibilidade ímpar. No meio da entrevista, a repórter faz a pergunta inusitada, incomum, surpreendente até: "Você se comove?" A um político, para quem poderia soar como pueril ou intrometida, a questão parece improvável, mas para esse poeta - e essa entrevista - foi imprescindível. "Se eu me comovo? Não faço outra coisa na vida a não ser me comover. Tenho de me segurar, eu não quero ser desintegrado pela emoção, ela não é uma coisa boa. O (poeta inglês) TS Elliot dizia que escrevia para se livrar da emoção. Porque ela vulnerabiliza. A poesia é para trazer alegria, não provocar emoção", respondeu. Não contente, a jornalista voltou à carga: "Mas a gente pode se emocionar, pode chorar lendo um poema..." Ao que Gullar foi categórico: "Não é o poema que comove, é a lembrança que ele provoca. O que o poeta faz é a alquimia do sofrimento em alegria. Nenhum poeta escreve para fazer sofrer, quem diz isso diz mentira. A poesia não foi feita para torturar, para magoar ninguém. Quando alguém força para provocar o choro é outra coisa, é dramalhão, sentimentalismo, não é poesia. A poesia é alegria estética." (Leda Balbino)

O Fim do Livro 2

Uma pesquisa realizada pelos organizadores da 61ª Feira do Livro de Frankfurt, que ocorreu entre os dias 14 e 18 deste mês, vaticinou: o livro digital superará o impresso em meros nove anos – precisamente, 2018. A previsão foi feita a partir de consultas com editores, livreiros, escritores e jornalistas, majoritariamente europeus, num total de 840 pessoas. A crise econômica, segundo os entrevistados, seria o principal estimulante para a mudança, por causa do alto custo da produção do modelo em papel. Ou seja, pode ser que, até 2018, “à medida que os fundos de catálogo passem a ser oferecidos eletronicamente, o digital ultrapasse o papel em termos de importância econômica para as editoras”, disse a diretora editorial da brasileira Record, Luciana Villas-Boas, em relação especificamente aos EUA e a alguns países da Europa (http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20091014/not_imp450117,0.php). Mas a aposta não é a mesma em relação ao Brasil. Num país de muitos iletrados, analfabetos funcionais e marginalizados digitais, seria até mesmo muito otimismo pensar que os leitores substituiriam um modelo pelo outro. Aqui independe do meio – virtual ou real – o fato de quase não se ler. (Leda Balbino)

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Será o Fim do Livro?


A Época afirma em sua capa desta semana: "O último livro que você vai comprar." A foto que justifica a afirmação é a de um Paulo Coelho sorridente, segurando um Kindle. Trocando em miúdos: o escritor-esotério-sucesso-mundial tem nas mãos o livro eletrônico (e-book) da Amazon, cuja venda fora dos EUA (para mais de 100 países) começou neste mês. Com espessura de uma revista e as dimensões de um livro impresso tradicional, o aparelho possui capacidade de armazenamento de até 1.500 obras. Ou seja, se você se dispuser a pagar mais de R$ 1.000 pelo suporte e US$ 14 pelo download de cada um dos arquivos que quiser, será possível ter sua própria biblioteca portátil, com mecanismo de busca e espaço para anotação, para acesso quando quiser. Nada de folhear de páginas, de amarelar de folhas com o tempo, do cheiro de livro velho ou novo, de capa dura ou brochura, de diferentes tipos de edição... qualquer obra, seja Os Lusíadas, Don Quixote ou Dom Casmurro, terá como base o Kindle e sua tinta eletrônica (de leitura mais confortável, porque não emite luz própria). Então, será o fim do livro impresso? Considerando-se que, assim como os aparelhos de DVD e celular, o tempo e a demanda tendem a baixar o preço, é possível dizer que sim. O que ainda me deu a esperança de que continuarei por algum tempo sentindo a diferença de peso em minhas mãos de um livro de 100 páginas e um de 500 (o Kindle tem imutáveis 290 gramas) foi a pequena que vi no domingo, na livraria Nobel. Com uns 2 anos, um vestido rosa e branco e fitinhas no cabelo, ela corria feliz pela livraria com um pequeníssimo volume compatível com suas mãos diminutas. Sua mãe explicou: "Ela adora livros. Não pode ver uma livraria, que fica louca." Será o Kindle capaz de estimular tal paixão? (Leda Balbino)

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Apologia à ignorância

A chamada de capa da revista Galileu deste mês declara: Livre-se das velhas ideias. Ao ler a reportagem, a sensação que dá é que o repórter buscou – em cada prévia afirmação – uma fonte do contra. E isso, cá entre nós jornalistas, sempre vai existir. Quer provar que água não é essencial? Alguém no planeta vai comprar sua tese e você irá garantir suas aspas. E foi esse o caminho que a revista seguiu. E por esse caminho, ela estampa – também em sua capa – que ler livros, meus caros, não é fundamental. Sim, num país de não leitores, um veículo que vive de (desculpe a repetição) leitores declara que “ler um livro da primeira à última página não é uma virtude. É melhor passar o olho pelo título e a orelha, pular as páginas ou deixá-lo pela metade, dizer que leu rapidamente tudo e ainda ter discussões filosóficas sobre seu conteúdo”. Abaixo da grande descoberta, a revista publica ainda que no Brasil apenas 20% dos alunos da 8ª série e 24% do último ano do Ensino Médio têm notas satisfatórias de leitura. O que será que ela quis dizer com isso? Corroborar sua tese? Elogiar a fraca leitura no país? Seja qual tenha sido a intenção da revista, suas teses brilhantes não param por aí. Na mesma página, logo abaixo, ela cita uma outra “velha ideia” que deve ser derrubada: o gerundismo. Para eles, falar a língua do telemarketing está correto. Alguém provou que o gerundismo é uma estrutura correta e normal do português no Brasil. Engraçado que eu não lembro de ter aprendido isso no colégio. Será que as escolas hoje ensinam seus alunos a “estarem pensando” dessa forma? Sabe qual a justificativa da fonte citada para podermos usar e abusar sem peso na consciência do gerundismo? O futuro soa arrogante e autoritário! Sejamos, portanto, incultos para não parecermos arrogantes. Num mundo em que a leitura não é fundamental, falar corretamente passa a ser coisa de gente esquisita. Isso sim parece fazer sentido. (Daniela Diniz)