terça-feira, 22 de março de 2011

Descobrindo Benedetti

Faltam poucas páginas para eu terminar A Trégua, romance, meio novela, do uruguaio Mario Benedetti. Gosto da literatura latina -- da argentina, especialmente. Gosto também de Gabriel García Marques, Pablo Neruda, Octavio Paz. Mas do Uruguai eu só conhecia Eduardo Galeano. Fui apresentada à sua obra pelas mãos da Leda, que me deu nos meus já longíquos 20 anos, uma edição de O Livro dos Abraços. Fiquei apaixonada. Li depois um pouco de uma de suas obras mais famosas, As Veias Abertas da América Latina. Mas parei por aí. Voltei à literatura uruguaia agora pela obra de seu mais famoso ou querido escritor, Mario Benedetti, que faleceu em maio de 2009. E estou adorando. De leitura fácil, o livro descreve o diário de um viúvo pré-aposentado, prestes a fazer cinquenta anos. Relata suas angústias da vida pacata, monótona, vivida numa Montevidéu de 1960. Os dias simplesmente passeiam ao seu redor até que encontra uma moça, com metade de sua idade, por quem se apaixona. E sua rotina muda. E suas angústias também. Não teme mais somente a vida pós aposentadoria, a novidade do ócio, mas a vida sem sua nova companheira, a vida vista pelos olhos preconceituosos de seus filhos, dos poucos amigos. O livro fala de dramas comuns de hoje, vividos talvez, com intensidade diferente. O homem de 50 anos hoje pode temer a compreensão dos filhos ao apresentar uma moça de 25 como sua namorada (apesar de isso ser cada vez mais comum), pode temer a aposentadoria (embora aos 50 hoje, ele vai apenas começar a pensar nisso) e também pode sofrer calado ao descobrir que seu filho preferido é homossexual. A obra tem mais de 40 anos mas os simples dilemas da vida a tornam sempre atual. (Daniela Diniz)

terça-feira, 15 de março de 2011

Os livros da minha década

No ano passado, completei dez anos de anotações sobre os livros que leio. Embora o hábito da leitura tenha sido adquirido quando eu ainda era criança (lá pelos oito anos), somente em 2000 comecei a avaliar de forma mais crítica os livros que passaram pelos meus olhos e classificá-los de acordo com meu entusiasmo com a leitura. A forma de classificação é bem simples: vai de uma a cinco estrelas. Os mais estrelados recebem alguns comentários ao lado, sobre forma, conteúdo ou passagens que considerei fantásticas. Divulgo hoje a lista dos meus livros cinco estrelas, dos livros que marcaram a minha década*. (Daniela Diniz)

Cem Anos de Solidão (Gabriel García Marquez)

Ensaio sobre a Cegueira (José Saramago)

Ficções do Interlúdio (Fernando Pessoa)

Madame Bovary (Gustave Flaubert)

Memórias do Subsolo (Fiódor Dostoievsky)

Desonra (J. M. Coetzee)

Sagarana (João Guimarães Rosa)

A Hora da Estrela (Clarice Lispector)

Todos os Fogos o Fogo (Julio Cortázar)

Elogio da Sombra (Jorge Luís Borges)

Quando Fui Outro (Fernando Pessoa)

A Legião Estrangeira (Clarice Lispector)

Extremamente Alto & Incrivelmente Perto (Jonathan Safran Foer)

A Morte de Ivan Ilitch (Liev Tolstói)

O fio das Missangas (Mia Couto)

O Retrato de Dorian Gray (Oscar Wilde)

*A lista não está classificada por ordem de preferência, mas por ordem cronológica de leitura

quarta-feira, 9 de março de 2011

O Idioma Pessoa

Eu e Dani temos uma tradição. Nos nossos respectivos aniversários sempre nos damos de presente um livro. De narrativas que adoramos. De autores que amamos ou esperamos amar. De textos que queremos descobrir. Esse foi o caso de “O Livro do Desassossego”, de Pessoa, que ela menciona no belo post abaixo. Ele foi o presente que ganhei dela em 2002 e, no ano seguinte, tornou-se um volume cheio de trechos sublinhados a lápis, de descobrimentos que me espantaram. Pessoa é o que é não necessariamente por tocar na inevitável sensibilidade da alma, mas pela força com que escreve, descreve, narra-se, dono completo de palavras que lhe servem como um idioma próprio. É no “Livro do Desassossego” que Pessoa revela: “Eu não escrevo em português. Escrevo eu mesmo.” (Leda Balbino)

“Na face pálida e sem interesse de feições um ar de sofrimento não acrescentava interesse, e era difícil definir que espécie de sofrimento esse ar indicava – parecia indicar vários, privações, angústias, e aquele sofrimento que nasce da indiferença que provém de ter sofrido muito”

“Na palavra falada temos que ser, em absoluto do nosso tempo e lugar. (...) A palavra escrita, ao contrário, não é para quem a ouve, busca a quem a ouça, escolhe quem a entenda, e não se subordina a quem a escolhe”

“(...) não poderia deixar tudo isso sem chorar, sem compreender que, por mau que me parecesse, era parte de mim que ficava com eles todos, que o separar-me deles era metade e semelhança da morte”

“De repente estou só no mundo. Vejo tudo isto de um telhado espiritual. Estou só no mundo. Ver é estar distante. Ver claro é parar. Analisar é ser estrangeiro”

“Em mim foi sempre menor a intensidade das sensações que a intensidade da consciência delas. Sofri sempre mais com a consciência de estar sofrendo que com o sofrimento de que tinha consciência”

“Viver é ser outro. Nem sentir é possível se hoje se sente como ontem se sentiu: sentir hoje o mesmo que ontem não é sentir – é lembrar hoje o que se sentiu ontem, ser hoje o cadáver vivo do que ontem foi a vida perdida. (...) Esta madrugada é a primeira do mundo. Nunca esta cor rosa amarelecendo para branco quente pousou assim na face com que a casaria de oeste encara cheia de olhos vidrados o silêncio que vem da luz crescente. Nunca houve esta hora, nem esta luz, nem este meu ser”

“(...) amo-vos da amurada como um navio que passa por outro navio e há saudades desconhecidas na paisagem”

“(...) se a libertação não está em mim, não está, para mim, em parte alguma. (...) Condillac começa o seu livro célebre, ‘Por mais alto que subamos e mais baixo que desçamos, nunca saímos de nossas sensações’. Nunca desembarcamos de nós”

“Há em certas frases, em vários períodos, de coisas escritas a poucos passos da minha adolescência, que me parecem produto de tal qual sou agora, educado por anos e coisas. E, tendo sentido que estou hoje num progresso grande do que fui, pergunto onde está o progresso se então era o mesmo que sou hoje. (...) Como avancei para o que era? Como me conheci hoje o que me desconheci ontem? (…) Quanto sou? Quem é eu? O que é este intervalo que há entre mim e mim?”

sexta-feira, 4 de março de 2011

Livro de Cabeceira

Sempre que lia ou ouvia essa expressão ‘livro de cabeceira’, não entendia muito bem. Especialmente naqueles ping pongs que revistas de celebridades fazem com famosos nos quais o entrevistador pergunta todas as coisas tolas, como qual seu filme preferido? sua música favorita? e comida? um lugar inesquecível? Pronto! Está lá também a pergunta: qual seu livro de cabeceira? Livro de cabeceira afinal é aquele que não sai do seu criado-mudo (e, portanto você nunca termina) ou aquele que você está lendo no momento? Era a pergunta que eu sempre me fazia. Sim, porque muitos livros entram e saem da minha..vamos lá, cabeceira. Até que comecei a ler O Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa – ou Bernardo Soares, seu heterônimo. Na edição de bolso que tenho, da Cia das Letras, o livro – ou “O Livro” tem 524 páginas (sem contar as NOTAS FINAIS). O volume conta com 481 trechos, parágrafos ou pequenos textos (como queira definir) de prosa poética perfeita. Definições, delírios, alucinações, medos e preocupações – todos os sentimentos pensantes ou pensamentos sentimentais de Pessoa ou Soares estão ali. Não é um livro de contos, de poemas ou romance. Está mais para um diário sem tempo. E esse formato – e sua profundidade – permitem transformá-lo num perfeito livro de cabeceira. Daqueles que você abre antes de dormir, lê um dos trechos sem compromisso, sem remorso de ficar uma semana ou um mês sem pegá-lo novamente, pois o próximo trecho pode não ter nada a ver com o que você leu antes. E por isso mesmo, você pode dividir a leitura com outro livro. Sim, porque eu sou o tipo de leitora que gosta de ler um volume de cada vez. Nesse caso, não. O Livro do Desassossego virou meu livro de cabeceira. Está lá para alimentar algumas noites de insônia. O único risco que corro – e que já me aconteceu – é de passar um tempo desassossegada com alguns trechos como os que cito abaixo e, em vez de encontrar o sono, perdê-lo de vez. (Daniela Diniz)

“Eu de dia sou nulo e de noite sou eu”

“Vivo mais porque vivo maior”

“Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir”

“Quero ser eu sem condições”

“O único modo de estarmos acordados com a vida é estarmos em desacordo com nós próprios”

terça-feira, 1 de março de 2011

Por que ler Mia Couto

Terminei de ler há alguns dias Terra Sonâmbula, romance do moçambicano Mia Couto. E entendi porque Mia, assim como Pessoa, Saramago, Guimarães Rosa, Borges e Cortázar entrou para a lista dos escritores que merecem mais de dois livros na minha estante. Mia, escrevi para um amigo querido e distante, não escreve; ele tece palavras. Domínio de poucos. Descreve com simplicidade o mais complexo dos sentimentos e de forma profunda relata as coisas simples da vida. Um exemplo que ficou na memória: Tuhair, o velho personagem de Terra Sonâmbula, não ensina simplesmente Muidinga, o personagem menino, a andar, falar, comer. Ele lhe ensina, nas palavras de Mia, “todos os inícios da vida”. Por sutilezas profundas como essas, o texto de Mia Couto não corre; dança. E tem história nele. Não se trata apenas de um encontro perfeito de palavras. Há boas histórias contatadas pelas belas palavras. Para quem gosta de literatura -- não só – mas também pela forma, vale muito a leitura. Afinal, é sempre mais prazeroso ler uma boa história contada de uma forma elegante e supreendente. E isso Mia Couto sabe fazer.(Daniela Diniz)

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

A vida não é um livro aberto


Antes de começar propriamente este texto, é bom dizer logo: não sou contra redes sociais. Estou cadastrada em quase todas, aliás. Do démodé orkut ao moderninho, agora popular facebook, passando por plaxo, pulse e linkedin. Não alimento todos eles, é verdade. Tenho mais, muito mais o que fazer, mas curto a dinâmica da troca de informações, do resgate de amizades antigas, do aumento do network – que ajuda profissionalmente. Mas as redes não estão limitadas a isso. Ao contrário. Não há limite na web – e é exatamente isso que vem me incomodando ultimamente. No meu tempo de criança, lá pelos meados da década de 80, diário tinha cadeado. E era bom e saudável ter segredos. Hoje, a vida – em suas máximas privacidades – anda escancarada nas redes sociais. Leio diariamente as vontades das pessoas, se estão com sono, com sede, com fome. Sentimentos privados se tornam públicos: “estou com raiva de certa pessoa”, por exemplo. Ou “suspirando por alguém”. Confesso que eu mesma estava quase embarcando na onda de compartilhar emoções desnecessárias. Sim, porque as minhas emoções, os meus sentimentos e minhas vontades dizem respeito a quem mesmo? Definitivamente, não diz respeito ao colega do amigo de trabalho que também caiu na minha rede social. Quando me vi escrevendo algo do gênero: “vontade de tomar mais um café”, a luz amarela acendeu. Não, não saí das redes. Ainda escrevo como estou, onde estou e informações ou textos que, ao meu julgamento, possam ser úteis ou agradáveis a alguém – até mesmo desabafos contra péssimos atendimentos, por exemplo (isso pode dar resultado nas redes!). Mas, ando filtrando minhas palavras e selecionando meus contatos. A vida, ao menos para mim, não é ainda uma tela aberta. (Daniela Diniz)

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Resgate

Há algum tempo deixei esse blog para trás pelo maior motivo que pode existir na vida de um ser humano: ter um filho. E ter um filho nos dá desculpa para muitas coisas, inclusive para se ausentar do próprio prazer. No meu caso, da literatura. O ano passado foi o ano em que menos li. Talvez quatro ou cinco livros apenas. Mas foi o ano em que mais aprendi. E toda essa experiência adquirida me livrou de alguns preconceitos. Um deles foi o de usar clichês. Pois a maternidade permite todos eles. Ser mãe é estado único -- de graça, de glória, de benção, mas também exige um abandono de parte de si. Deixamos de fazer uma porção de coisas grandiosas para nos prender em coisas pequenas. O que não significa que nos apequenamos. Apenas mudamos o foco e o peso de algumas ações. Mas tudo, aos poucos, volta. Vamos resgatando parte de quem fomos e unindo às novas partes que agora nos pertence. Eu acreditava que esse tipo de texto não mais sairia de mim. Não há tempo para escrita vulgar. Prefiro ler algo de qualidade a escrever bobagens cotidianas e sentimentais. Mas esse exercício ainda me é importante. Pelos textos do passado, consigo entender melhor quem sou hoje e a razão de algumas atitudes. Uma espécie de terapia literária, como a Leda já escreveu aqui. E talvez por esse motivo, eu precise disso. Para me convencer no futuro de que os dias se parecem, mas não se repetem. De que os anos acumulam rugas e quilos, mas também experiência e sabedoria. De que personalidade é a base do ser humano, mas flexibilidade é a sua sobrevivência. E é dessa forma que volto, que recomeço, que me resgato. Hoje meu filho completa seis meses de vida, eu completo dez anos como jornalista da Editora Abril e páginas em branco me esperam para serem preenchidas – na profissão e na vida. (Daniela Diniz)