quarta-feira, 9 de março de 2011

O Idioma Pessoa

Eu e Dani temos uma tradição. Nos nossos respectivos aniversários sempre nos damos de presente um livro. De narrativas que adoramos. De autores que amamos ou esperamos amar. De textos que queremos descobrir. Esse foi o caso de “O Livro do Desassossego”, de Pessoa, que ela menciona no belo post abaixo. Ele foi o presente que ganhei dela em 2002 e, no ano seguinte, tornou-se um volume cheio de trechos sublinhados a lápis, de descobrimentos que me espantaram. Pessoa é o que é não necessariamente por tocar na inevitável sensibilidade da alma, mas pela força com que escreve, descreve, narra-se, dono completo de palavras que lhe servem como um idioma próprio. É no “Livro do Desassossego” que Pessoa revela: “Eu não escrevo em português. Escrevo eu mesmo.” (Leda Balbino)

“Na face pálida e sem interesse de feições um ar de sofrimento não acrescentava interesse, e era difícil definir que espécie de sofrimento esse ar indicava – parecia indicar vários, privações, angústias, e aquele sofrimento que nasce da indiferença que provém de ter sofrido muito”

“Na palavra falada temos que ser, em absoluto do nosso tempo e lugar. (...) A palavra escrita, ao contrário, não é para quem a ouve, busca a quem a ouça, escolhe quem a entenda, e não se subordina a quem a escolhe”

“(...) não poderia deixar tudo isso sem chorar, sem compreender que, por mau que me parecesse, era parte de mim que ficava com eles todos, que o separar-me deles era metade e semelhança da morte”

“De repente estou só no mundo. Vejo tudo isto de um telhado espiritual. Estou só no mundo. Ver é estar distante. Ver claro é parar. Analisar é ser estrangeiro”

“Em mim foi sempre menor a intensidade das sensações que a intensidade da consciência delas. Sofri sempre mais com a consciência de estar sofrendo que com o sofrimento de que tinha consciência”

“Viver é ser outro. Nem sentir é possível se hoje se sente como ontem se sentiu: sentir hoje o mesmo que ontem não é sentir – é lembrar hoje o que se sentiu ontem, ser hoje o cadáver vivo do que ontem foi a vida perdida. (...) Esta madrugada é a primeira do mundo. Nunca esta cor rosa amarelecendo para branco quente pousou assim na face com que a casaria de oeste encara cheia de olhos vidrados o silêncio que vem da luz crescente. Nunca houve esta hora, nem esta luz, nem este meu ser”

“(...) amo-vos da amurada como um navio que passa por outro navio e há saudades desconhecidas na paisagem”

“(...) se a libertação não está em mim, não está, para mim, em parte alguma. (...) Condillac começa o seu livro célebre, ‘Por mais alto que subamos e mais baixo que desçamos, nunca saímos de nossas sensações’. Nunca desembarcamos de nós”

“Há em certas frases, em vários períodos, de coisas escritas a poucos passos da minha adolescência, que me parecem produto de tal qual sou agora, educado por anos e coisas. E, tendo sentido que estou hoje num progresso grande do que fui, pergunto onde está o progresso se então era o mesmo que sou hoje. (...) Como avancei para o que era? Como me conheci hoje o que me desconheci ontem? (…) Quanto sou? Quem é eu? O que é este intervalo que há entre mim e mim?”

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