quarta-feira, 30 de setembro de 2009
Um lugar de destaque para O Último Leitor
Abaixo, algumas críticas extraídas da análise de Lucio, por David Toscana:
“A palavra horror é uma ilusão do escritor, pretende criar uma tensão inexistente, porque é óbvio que o negro não vai morrer, tudo é tão óbvio: os brancos falam de uma rameira e o negro menciona Deus, os brancos bebem Bourbon e o suor do negro nem fede. Lucio retorna a sua escrivaninha e abre o livro na última página para confirmar a lição de moral que já estava esperando.”
“Tomou cuidado para que fosse um romance recente pois estes não se preocupam mais em descrever os detalhes de um prato, a menos que sejam de escritoras ou, pelo menos, de algum latino-americano que no começo acreditou que a literatura corrigia males sociais e como passar dos anos preferiu entreter senhoras de sapatos de verniz que lhe pediam autógrafos entre lisonjas e bajulação e amor pelo que é estrangeiro, porque um dia fui povo, minhas senhoras, mas agora sou afrancesado ou germanista ou bulgarista.”
“O narrador se sentava à mesa e dizia: Sara escolheu uma esplêndida garrafa de Château Certan-Marzelle 98 para acompanhar a salada périgourdine, a coccotte de porc à l’ananas e o brie de Coulommiers, e como sobremesa mandou que fossem servidos crepes aux moules preparados com um magnífico vin de paille. Essas linhas e a descrição que seguia sobre mais quitutes e garrafas e vocábulos em itálico não provocaram a menor reação em seu estômago. Para mim, com esses nomes estrangeiros, dá na mesma se estão de comida ou de peças de reposição para uma máquina....censurou o romance na página 39”
“Tempos atrás Lucio fez uma experiência: enquanto lia Olhos insones, usou um pincel para passar mel nos parênteses e travessões que tanto usam certos autores com o propósito de subordinar ou intrincar as frases. Para Lucio, esses símbolos são concessões que a gramática faz aos escritores canhestros, aqueles que não atinam com o modo de encadear as frases de maneira natural, lisa.”
“Você sabia que de cada 28 páginas só uma é lida? Porque existem livros que são dados para gente que não lê, porque caem numa biblioteca sem usuários, porque são adquiridos para fazer volume numa estante, porque são dados na compra de outro produto, porque o leitor perde o interesse desde o primeiro capítulo, porque nunca saem do depósito do impressor, porque os livros também são comprados por impulso.”
terça-feira, 29 de setembro de 2009
Herança
Encontro velhos escritos em uma agenda velha. Escritos meus, escritos de outros, palavras que moldaram minha alma daquele tempo e deixaram ressonâncias na de hoje. Lendo-as agora, com olhos já não de antes, percebo o quanto determinaram meus passos e sonhos, minhas pretensões. Minha alma é, de certa forma, a dos escritores que tanto falaram a ela, tanto a inspiraram, encravando em minha mente sua forma particular de ver o mundo e de atuar nele. Sou todas essas palavras que li e imensamente amei, ao ponto de reproduzi-las letra a letra, sílaba a sílaba, ao lado de palavras minhas em agendas em que relatava meus dias. As incorporei aos meus gestos, à minha maneira de agir no mundo e com o próximo. As tomei ao pé da letra na forma como tentei construir minha carreira e na forma como tantas vezes ainda projeto sonhos de antes para o futuro. Esses escritores que tanto me inspiraram e inspiram são uma herança sagrada para aquela que ainda serei. (Leda Balbino)
quinta-feira, 24 de setembro de 2009
O idioma de Mia Couto
quarta-feira, 23 de setembro de 2009
Os sons e os cheiros de Portugal
Passei uma semana em Portugal. Revisitei Lisboa, Sintra, Coimbra e Porto. Conheci Cascais e Guimarães. Emocionei-me com o Tejo novamente. Portugal me encanta. Pela história – linda, nossa, tão intensa. Pelas suas ruas azulejadas, pelos varais de roupa, pelo cheiro de doces nas calçadas. Encanta-me, sobretudo, seu português sem ruídos. O som do português. A ausência do feio gerúndio em suas frases. Ninguém lá está fazendo nada. Todos estão a fazer alguma coisa. Lá não existe “a gente” mas “nós”. E conjugam pessoas e verbos de forma correta. Gosto do som de Portugal. De sentir nas ruas de Lisboa um pouco de Pessoa. De olhar o Tejo e lembrar de Camões, dos navegadores, dos descobrimentos, de tantos que lá ficaram e provocaram versos imortais. Do triste amor de Inês. Da pujança real e seus palácios formidáveis. Dos castelos, da história medieval que permanece intacta no mundo contemporâneo. Volto num tempo que não vivi. E por isso voltarei mais vezes àquela terra. Sentirei mais os cheiros de doces e sardinhas nas brasas do Porto. Ouvirei o chorado fado. Lerei sempre Pessoa, Camões e também Saramago, na constante busca do português perfeito. (Daniela Diniz)