Lucio, protagonista de O Último Leitor, romance do mexicano David Toscana, é um leitor voraz e um crítico ácido dos livros que passam por sua biblioteca na pobre e seca Icamole. Se o livro passa pelo seu crivo, a ele é reservado um lugar nas estantes. Se a leitura o desagrada, vai direto para o inferno, como ele chama um depósito subterrâneo cheio de baratas. Ao inferno são condenados os intelectuais que se gabam de sua literatura de gabinete, sem conhecer a vida real. Também censura os escritores que se apegam a descrições desnecessárias, comparativos esdrúxulos ou histórias batidas, como professores de literatura cinqüentões que se envolvem com suas alunas de vinte. Despreza os gringos, os espanhóis e prefere os escritores a escritoras. Lucio tem muita razão no que diz, o que faz de O Último Leitor um livro interessantíssimo sobre a crítica da própria literatura, a condução da leitura pelo seu principal alvo, o leitor, e a análise de escritores mais preocupados com prêmios e formas do que com histórias de vida. Lucio é pobre também, habitante de uma cidade em que as pessoas estão mais preocupadas com água do que com livros, e não fala francês, mas é dono de uma sabedoria suficiente para prender o leitor até a última página de seu, podemos dizer assim, livro. (Daniela Diniz)
Abaixo, algumas críticas extraídas da análise de Lucio, por David Toscana:
“A palavra horror é uma ilusão do escritor, pretende criar uma tensão inexistente, porque é óbvio que o negro não vai morrer, tudo é tão óbvio: os brancos falam de uma rameira e o negro menciona Deus, os brancos bebem Bourbon e o suor do negro nem fede. Lucio retorna a sua escrivaninha e abre o livro na última página para confirmar a lição de moral que já estava esperando.”
“Tomou cuidado para que fosse um romance recente pois estes não se preocupam mais em descrever os detalhes de um prato, a menos que sejam de escritoras ou, pelo menos, de algum latino-americano que no começo acreditou que a literatura corrigia males sociais e como passar dos anos preferiu entreter senhoras de sapatos de verniz que lhe pediam autógrafos entre lisonjas e bajulação e amor pelo que é estrangeiro, porque um dia fui povo, minhas senhoras, mas agora sou afrancesado ou germanista ou bulgarista.”
“O narrador se sentava à mesa e dizia: Sara escolheu uma esplêndida garrafa de Château Certan-Marzelle 98 para acompanhar a salada périgourdine, a coccotte de porc à l’ananas e o brie de Coulommiers, e como sobremesa mandou que fossem servidos crepes aux moules preparados com um magnífico vin de paille. Essas linhas e a descrição que seguia sobre mais quitutes e garrafas e vocábulos em itálico não provocaram a menor reação em seu estômago. Para mim, com esses nomes estrangeiros, dá na mesma se estão de comida ou de peças de reposição para uma máquina....censurou o romance na página 39”
“Tempos atrás Lucio fez uma experiência: enquanto lia Olhos insones, usou um pincel para passar mel nos parênteses e travessões que tanto usam certos autores com o propósito de subordinar ou intrincar as frases. Para Lucio, esses símbolos são concessões que a gramática faz aos escritores canhestros, aqueles que não atinam com o modo de encadear as frases de maneira natural, lisa.”
“Você sabia que de cada 28 páginas só uma é lida? Porque existem livros que são dados para gente que não lê, porque caem numa biblioteca sem usuários, porque são adquiridos para fazer volume numa estante, porque são dados na compra de outro produto, porque o leitor perde o interesse desde o primeiro capítulo, porque nunca saem do depósito do impressor, porque os livros também são comprados por impulso.”
quarta-feira, 30 de setembro de 2009
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