sexta-feira, 18 de junho de 2010

"O mundo ficou mais cego"


Ao longo do tempo que eu e Dani fazemos esse blog, mencionamos Saramago diversas vezes. E não poderia ser diferente hoje, no dia de sua morte. Assim que pus os pés no trabalho, fiquei sabendo que o escritor, o único Nobel de Literatura para um autor em Língua Portuguesa, havia morrido. E enquanto ainda lia as informações sobre o fato, ouvi a piada de que deveríamos publicar em seu obituário uma enquete com a pergunta: "Quantos livros de Saramago você conseguiu terminar?" Talvez a melhor pergunta fosse como se formam tão poucos leitores para apreciar as obras líricas e cheias de nuances de Saramago. "O mundo ficou ainda mais burro e ainda mais cego hoje", disse sobre sua morte o cineasta brasileiro Fernando Meireles, que adaptou para o cinema em 2008 o ácido, mas também redentor, "Ensaio sobre a Cegueira". Segundo Meireles, em um documentário que está sendo produzido sobre Saramago e sua mulher, Pilar, "vemos ali um homem brilhante que sabe que seu tempo está acabando e tem muita pena de morrer". Escritor de sucesso tardio, já que o reconhecimento pelo seu trabalho só chegou depois dos 60 anos, o autor português também teve um amor tardio. Aos 63 anos conheceu Pilar, jornalista espanhola 28 anos mais jovem cujo primeiro contato com Saramago foi pelo livro "Memorial do Convento". Após passar a noite com a obra, voltou a uma livraria em Sevilla para comprar outros títulos do autor e, quando em Lisboa, sentiu curiosidade de procurá-lo para se conhecerem pessoalmente. Casaram-se poucos anos depois e Pilar tornou-se a tradutora de suas obras para o espanhol. Os dois, segundo ela, tinham "uma parceria para a vida". Em 2008, Saramago dedicou seu "A Viagem do Elefante" (2008) à mulher, escrevendo: "A Pilar, que não me deixou morrer." Ele se referia a uma pneumonia que o forçou a ficar internado durante quatro meses em 2007. A proximidade com a morte influenciou o livro de 2008, em que Saramago narra a aventura verídica de um elefante que rumou, em 1531, de Lisboa a Viena, presente de um rei português. Ao morrer, suas patas dianteiras foram cortadas para fazer um porta guarda-chuvas. "Por que essa humilhação?", perguntou-se Saramago em uma entrevista sobre o livro. "O que dá o significado último à vida é o que se passa depois da morte." Saramago deixa saudades. Melhor significado não há. (Leda Balbino)

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