quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Um retrato de Cuba

Havana é uma cidade linda, mas esgotada. Prédios descascados (como eles dizem por aqui) convivem lado a lado com os símbolos históricos restaurados. Na rua há sempre pequenas poças d´água da chuva do dia anterior se mesclando com cheiro de esgoto. A cidade parece estar cansada. E não é só ela. Os cubanos também estão. Eles se autodenominam bandidos e ladrões, pelo fato de terem de incorrer ao ilícito (como o mercado negro) para conseguir comida, já que os salários módicos não duram até o fim do mês. Eles se incomodam pelo fato de não poder ir e vir, de não ter dinheiro suficiente para viajar pelo próprio país ou para o exterior e, se o têm, por ter de enfrentar uma burocracia sem fim para poder partir. E não é só a burocracia que os atormenta. É o medo de que, ao se irem da Ilha, percam suas casas, seus automóveis, tenham suas contas de banco fechadas. Muitos sonham encontrar um estrangeiro para que possa sair casados e não perder "o direito de ser cubano". Essa é a única maneira de não ser considerado um "traidor".

Ao mesmo tempo, são tão contraditórios. Embora falem muito mal do governo, dizem que não são contra o governo. Ao mesmo tempo em que reclamam do fato de não poder ir e vir e de sentir um medo constante de represálias (só duas pessoas das mais de 10 com quem conversei me autorizaram a publicar seus nomes), dizem que seu único problema é econômico. Que, se a economia estivesse bem, tudo estaria bem. Segundo um dissidente político, é mentira. As pessoas querem sim uma mudança de governo, estão cansadas de ter negado o direito a ter direitos civis. O direito de se autodeterminar. O direito de usar seu potencial, sua criatividade, e prosperar (não apenas economicamente, mas em tudo).

Os cubanos são adoráveis, e extremamente inteligentes, amáveis, muitos deles cultos. Todos sabem se expressar ou, parafraseando Saramago, transformar em palavras um pensamento metafísico. São orgulhosos de ser cubanos, de terem feito a Revolução que tanto fascina o mundo, de terem o "cavallo" Fidel. Mas visivelmente estão cansados do sistema. Nas ruas muitas pessoas caminham tristemente alegres. Não são necessárias perguntas para que comecem a reclamar da vida, da situação do país. Há um desejo implícito de mudança. Há esgotamento, a frustração de sonhos e promessas não cumpridos. Há a falta de perspectivas, uma preguiça, uma sensação de que não vale a pena.

Há escuridão. Como a cidade quase não é iluminada à noite, para identificar um táxi é necessário contar com os faróis. Há o improviso. Carros velhíssimos fazem às vezes de transporte público. Homens pedalam as bicitáxis para transportar cubanos, e podem perder sua licença de trabalho se forem vistos levando turistas. Mas eles se arriscam, porque os estrangeiros pagam mais e, claramente, valem mais do que a população local. Lagostas estão proibidas para os cubanos, que não podem pescá-las sem uma licença. Elas são para exportação ou para os turistas que quase já não mais lotam os hotéis. Para conseguir comprá-las, os cubanos contam com o mercado negro. Para mostrar o quando seria caro em relação ao salário daqui, uma cubana comparou seu preço a de um diamante.

E há o temor. Não apenas de represália por terem seu nome vinculado a uma crítica ao regime, mas do futuro. O que ocorrerá quando mais de 500 mil pessoas forem demitidas, na primeira vez em que o governo tornará oficial o desemprego, antes artificialmente
anunciado em apenas 1%? Muitos temem o aumento da violência. Que pessoas em desespero, por não ter o que comer, comecem a roubar, invadam casas alheias.

Em Havana há um grande medo do futuro. Mas, ao mesmo tempo, a frustrada certeza de que - infelizmente - tudo mudará para continuar o mesmo. (Leda Balbino, de Havana)

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