sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Há livros nas estantes.

Há o silêncio na sala vazia.

Há a caneta e o papel,

a luz a iluminar a sombra,

o não a revelar a dor.

Há o suspiro e a vergonha.

Os erros cometidos,

a volta impossível.

Há a morte.

O tempo.

E tudo o que arrasta:

nossa ilusão alegre,

nossas pretensões.

Há o frio e nenhuma espera.

Há a resignação posterior ao choro.

A respiração calma após a catarse.

Por quanto tempo?

Quando virão novas ilusões para acelerar a respiração,

remexer esperanças,

criar expectativas?

Não desta vez.

Agora só há indiferença.

O cansaço.

A preguiça de seguir.

Por que não só dormir?

Por que não deixar para nunca os arrependimentos?

Já foi. Tantos se me foram.

Estou só.

E os livros nas estantes.

À espera do folhear de páginas.

À espera.

Como a vida. (Leda Balbino)

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Um retrato de Cuba

Havana é uma cidade linda, mas esgotada. Prédios descascados (como eles dizem por aqui) convivem lado a lado com os símbolos históricos restaurados. Na rua há sempre pequenas poças d´água da chuva do dia anterior se mesclando com cheiro de esgoto. A cidade parece estar cansada. E não é só ela. Os cubanos também estão. Eles se autodenominam bandidos e ladrões, pelo fato de terem de incorrer ao ilícito (como o mercado negro) para conseguir comida, já que os salários módicos não duram até o fim do mês. Eles se incomodam pelo fato de não poder ir e vir, de não ter dinheiro suficiente para viajar pelo próprio país ou para o exterior e, se o têm, por ter de enfrentar uma burocracia sem fim para poder partir. E não é só a burocracia que os atormenta. É o medo de que, ao se irem da Ilha, percam suas casas, seus automóveis, tenham suas contas de banco fechadas. Muitos sonham encontrar um estrangeiro para que possa sair casados e não perder "o direito de ser cubano". Essa é a única maneira de não ser considerado um "traidor".

Ao mesmo tempo, são tão contraditórios. Embora falem muito mal do governo, dizem que não são contra o governo. Ao mesmo tempo em que reclamam do fato de não poder ir e vir e de sentir um medo constante de represálias (só duas pessoas das mais de 10 com quem conversei me autorizaram a publicar seus nomes), dizem que seu único problema é econômico. Que, se a economia estivesse bem, tudo estaria bem. Segundo um dissidente político, é mentira. As pessoas querem sim uma mudança de governo, estão cansadas de ter negado o direito a ter direitos civis. O direito de se autodeterminar. O direito de usar seu potencial, sua criatividade, e prosperar (não apenas economicamente, mas em tudo).

Os cubanos são adoráveis, e extremamente inteligentes, amáveis, muitos deles cultos. Todos sabem se expressar ou, parafraseando Saramago, transformar em palavras um pensamento metafísico. São orgulhosos de ser cubanos, de terem feito a Revolução que tanto fascina o mundo, de terem o "cavallo" Fidel. Mas visivelmente estão cansados do sistema. Nas ruas muitas pessoas caminham tristemente alegres. Não são necessárias perguntas para que comecem a reclamar da vida, da situação do país. Há um desejo implícito de mudança. Há esgotamento, a frustração de sonhos e promessas não cumpridos. Há a falta de perspectivas, uma preguiça, uma sensação de que não vale a pena.

Há escuridão. Como a cidade quase não é iluminada à noite, para identificar um táxi é necessário contar com os faróis. Há o improviso. Carros velhíssimos fazem às vezes de transporte público. Homens pedalam as bicitáxis para transportar cubanos, e podem perder sua licença de trabalho se forem vistos levando turistas. Mas eles se arriscam, porque os estrangeiros pagam mais e, claramente, valem mais do que a população local. Lagostas estão proibidas para os cubanos, que não podem pescá-las sem uma licença. Elas são para exportação ou para os turistas que quase já não mais lotam os hotéis. Para conseguir comprá-las, os cubanos contam com o mercado negro. Para mostrar o quando seria caro em relação ao salário daqui, uma cubana comparou seu preço a de um diamante.

E há o temor. Não apenas de represália por terem seu nome vinculado a uma crítica ao regime, mas do futuro. O que ocorrerá quando mais de 500 mil pessoas forem demitidas, na primeira vez em que o governo tornará oficial o desemprego, antes artificialmente
anunciado em apenas 1%? Muitos temem o aumento da violência. Que pessoas em desespero, por não ter o que comer, comecem a roubar, invadam casas alheias.

Em Havana há um grande medo do futuro. Mas, ao mesmo tempo, a frustrada certeza de que - infelizmente - tudo mudará para continuar o mesmo. (Leda Balbino, de Havana)

sexta-feira, 18 de junho de 2010

"O mundo ficou mais cego"


Ao longo do tempo que eu e Dani fazemos esse blog, mencionamos Saramago diversas vezes. E não poderia ser diferente hoje, no dia de sua morte. Assim que pus os pés no trabalho, fiquei sabendo que o escritor, o único Nobel de Literatura para um autor em Língua Portuguesa, havia morrido. E enquanto ainda lia as informações sobre o fato, ouvi a piada de que deveríamos publicar em seu obituário uma enquete com a pergunta: "Quantos livros de Saramago você conseguiu terminar?" Talvez a melhor pergunta fosse como se formam tão poucos leitores para apreciar as obras líricas e cheias de nuances de Saramago. "O mundo ficou ainda mais burro e ainda mais cego hoje", disse sobre sua morte o cineasta brasileiro Fernando Meireles, que adaptou para o cinema em 2008 o ácido, mas também redentor, "Ensaio sobre a Cegueira". Segundo Meireles, em um documentário que está sendo produzido sobre Saramago e sua mulher, Pilar, "vemos ali um homem brilhante que sabe que seu tempo está acabando e tem muita pena de morrer". Escritor de sucesso tardio, já que o reconhecimento pelo seu trabalho só chegou depois dos 60 anos, o autor português também teve um amor tardio. Aos 63 anos conheceu Pilar, jornalista espanhola 28 anos mais jovem cujo primeiro contato com Saramago foi pelo livro "Memorial do Convento". Após passar a noite com a obra, voltou a uma livraria em Sevilla para comprar outros títulos do autor e, quando em Lisboa, sentiu curiosidade de procurá-lo para se conhecerem pessoalmente. Casaram-se poucos anos depois e Pilar tornou-se a tradutora de suas obras para o espanhol. Os dois, segundo ela, tinham "uma parceria para a vida". Em 2008, Saramago dedicou seu "A Viagem do Elefante" (2008) à mulher, escrevendo: "A Pilar, que não me deixou morrer." Ele se referia a uma pneumonia que o forçou a ficar internado durante quatro meses em 2007. A proximidade com a morte influenciou o livro de 2008, em que Saramago narra a aventura verídica de um elefante que rumou, em 1531, de Lisboa a Viena, presente de um rei português. Ao morrer, suas patas dianteiras foram cortadas para fazer um porta guarda-chuvas. "Por que essa humilhação?", perguntou-se Saramago em uma entrevista sobre o livro. "O que dá o significado último à vida é o que se passa depois da morte." Saramago deixa saudades. Melhor significado não há. (Leda Balbino)

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Desculpa pelos intervalos literários

Li hoje na Ilustrada da Folha de S. Paulo a entrevista com Ferreira Gullar, que ganhou ontem o Prêmio Camões, o principal da língua portuguesa. Lá, ele fala um pouco dos seus quase oitenta anos, do governo Lula e muito pouco do seu próximo livro de poesias Em Alguma Parte Alguma. O livro -- a ser lançando em setembro -- resgata sua própria literatura, esquecida há 11 anos. E ele dá uma ótima explicação para esse hiato entre uma obra e outra "Não sou poeta 24 horas por dia. É algo que surge espontaneamente". Senti-me aliviada ao ler isso. Se Ferreira Gullar pode dar uma ótima desculpa para se ausentar dos textos, por que eu não? Sei que o segredo de um blog está no fluxo de seus posts. Quanto menor o intervalo, maior o número de seguidores, mais comentários, mais audiência. E aí tantos blogs interessantes sobre vidas privadas que se tornam públicas se multiplicam e arrebanham seus leitores. Com literatura, é diferente. Não dá para escrever sempre, 24 horas por dia, simplesmente porque as palavras não são fórmulas. Não contamos aqui histórias nossas apenas, esmagadas em cotidianos superficiais. Mas propomos reflexões da e pela literatura. E mesmo quando decidimos expor um pouco de nossas vidas, narramos sentimentos e não fatos. E isso exige um pouco mais. Por isso, caros seguidores, peço -- aliviada -- desculpas pelos intervalos literários. Uma justificativa endossada por ninguém menos que Ferreira Gullar. (Daniela Diniz)

segunda-feira, 24 de maio de 2010

O fenômeno da autoajuda

Adoro rankings e listas. Por isso mesmo, já escrevi aqui que faço a minha própria. Dos piores e melhores livros, passando claro, pelos medianos. Classifico-os por meio de estrelas -- de zero a cinco. Só dou cinco quando o livro realmente é muito bom, quase perfeito, na minha concepção de simples leitora, claro, e não de crítica literária. Por adorar rankings, fuço sempre as tradicionais listas dos mais vendidos nas livrarias. E há anos não vemos novidade por aí. Exceto quando José Saramago ou Chico Buarque lançam algum título, o que costuma imperar nessas listas são os livros que viraram filmes recentemente, como o caso de Alice no País das Maravilhas, os religiosos ou de fundo religiosos como A Cabana e todos os que citam Chico Xavier na capa e, principalmente os de autoajuda. É impressionante como livros que trazem superação pessoal e profissional, lições das adversidades ou tratam de fórmulas de riquezas e felicidade vendem. Em todos os campos. Na esfera de negócios, temos aí o sucesso absoluto de James Hunter, com seu O Monge e o Executivo que fala do já batido líder servidor. Na esfera econômica, os livros de Gustavo Cerbasi, o milionário antes dos 30 anos, preenchem as estantes daqueles que torram todo o dinheiro, mas sonham com uma simples equação em 100 páginas que possam levá-los às fortunas. E na esfera pessoal, temos um festival de historinhas. Comer, Rezar, Amar, por exemplo, campeão das listas, é um simples relato da autora que tinha tudo o que queria, mas entrou em depressão após o divórcio e aí viajou ao redor do mundo em busca de sua recuperação. Livro de cabeceira de muitas mulheres pré ou pós divorciadas. Não quero (mesmo) julgar a escolha das pessoas. Confesso que nunca li nenhum desses títulos – nada que vá além de suas orelhas e críticas. Mas sempre me perguntei por que eles vendem tanto. Será que suas histórias são simples, fáceis e fascinantes ao ponto de arrebanhar milhares de leitores ou a humanidade é carente de finais felizes? Será que eles vendem pela propaganda que recebem antes? Pela posição que conseguem nas principais livrarias? Ou por aqueles que, ao entrar com vontade de adquirir algum volume na livraria, se deixam guiar pelo que a maioria já aprovou? Há tantas histórias boas sem lições de moral ou finais felizes, há tanta literatura rica que se perde por aí em meio às capas chamativas e salvadoras dos livros de autoajuda. Os clássicos da literatura e os bons contemporâneos são esmagados por tanta felicidade empacotada. Achar um livro do americano Jonathan Safran Foer em uma livraria, por exemplo, é uma façanha. Se tiver sorte, vai encontrar um exemplar. Eu realmente gostaria de entender esse fenômeno. Você tem alguma explicação? (Daniela Diniz)

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Palavras para dizer

Cena 1, em casa
Um amigo me escreveu: "Achei teu blog bem legal. Até me senti mais inteligente lendo coisas tão inteligentes." Fiquei feliz com o comentário, mas, ao mesmo tempo, li nas entrelinhas: "Vocês são meio pernósticas." Bom, sei que essa provavelmente não foi a intenção do meu amigo, mas não consegui evitar o pensamento.
Cena 2, na redação
Recebemos um inesperado e-mail de despedida. Li a mensagem e nenhuma palavra me soou deslocada. Mas não demorou muito para piscar meu MSN com uma colega de trabalho mostrando-se indignada com o fato de no texto constar a palavra "doravante". Outra palavra que a irritou foi "aguerrida".
Cena 3, ligando os pontos
O e-mail do meu amigo e o MSN da minha colega de trabalho me fizeram perceber que envelheci. Ok, doravante realmente é quase um arcaísmo (olha outra palavrinha velha), mas qual o problema com a sonora, forte, firme aguerrida? Gosto dela e isso provavelmente me faz soar antiquada no ambiente super-hipermoderno de uma redação de internet. Trocando em miúdos: já tiraram com a minha cara por falar "balbúrdia" ou "inexiste" ou sei lá o quê. Só não entendo por que teria de usar "não existe" se há uma só palavra para exprimir essa ideia. Ou por que dizer que um lugar está "zuado", se está uma balbúrdia. Ou seja, só há uma palavra para cada coisa. Ou, como diria Mario Quintana: "Confesso que até hoje só conheci dois sinônimos perfeitos: nunca e sempre."
Cena 4, divagações
Por isso que às vezes o jornalismo me cansa com essa ideia de que só se podem usar "dizer" ou "afirmar" para declarações. E comentar, prometer, indagar, indicar, interpelar, sugerir, anunciar? Quando leio alguns textos de gente mais jovem e não menos lida percebo que às vezes falta a palavra exata para o que querem dizer. E não que nunca a tenham visto ou lido, mas porque raramente a usam. A palavra se perde.
Cena 5, conclusão
Possivelmente sou meio formal ou pernóstica (apesar de odiar essa palavra e seu significado). Mas não me importo. É bom ter uma ampla gama de palavras às quais recorrer para exprimir uma ideia com mais precisão. Prefiro ser antiquada a ser banal. (Leda Balbino)

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Um futuro sem leitores?

Qual não foi minha surpresa quando fui dar uma espiada no blog na noite de sexta e me deparei com o post da Dani, tratando do mesmo artigo que pensava em abordar como próximo tema. Só liguei o computador à noite porque havia lido o texto no ônibus, voltando do trabalho. E ele me tocou exatamente no mesmo trecho que chamou a atenção da Dani: "A questão mais funda e, no limite, sem resposta, é saber se no futuro haverá leitores de Kafka." Coincidências assim explicam por que somos amigas. O artigo de Hatoum também me fez lembrar de uma entrevista que Umberto Eco concedeu ao Sabático em 13 de março (http://migre.me/AUVL), em que afirma, categórico: "Eletrônicos duram dez anos, livros duram cinco séculos." O tema da entrevista era o lançamento da obra "Não contem com o fim do livro", em que discute a perenidade da obra em papel. Para justificar sua certeza sobre a imortalidade do livro, Eco diz: "Os eletrônicos chegaram, mas percebemos que sua vida útil não passa de dez anos. Assim, quem poderia afirmar, anos atrás, que não teríamos hoje computadores capazes de ler os antigos disquetes? E que, ao contrário, temos livros que sobrevivem há mais de cinco séculos?" Mais adiante, quando questionado sobre qual a diferença básica entre o conteúdo disponível na internet e o de uma enorme biblioteca, ele diz: "Uma biblioteca é como a memória humana, cuja função não é apenas a de conservar, mas também a de filtrar. Já a internet é como o personagem Funes, de Jorge Luis Borges, cuja capacidade de memória era infinita, incapaz de selecionar o que interessa. Esse é o problema básico da internet: depende da capacidade de quem a consulta, da vivência pessoal." A resposta expõe uma inquietação que não deixa de ser semelhante à de Hatoum. No futuro, independentemente da sobrevivência do livro, haverá leitores de Kafka? Haverá pessoas com a capacidade de identificá-lo e com a vivência para nele reconhecer um grande escritor? Em resumo: no futuro, haverá leitores? (Leda Balbino)