sexta-feira, 21 de agosto de 2009

A Leitura no Brasil

Pouco ou muito, aprendi na minha primeira aula de física no colegial (hoje Ensino Médio), depende sempre de um referencial. No caso do índice de leitura do povo brasileiro, no entanto, não precisamos assim de tantos referenciais para constatar que é pouco, muito pouco. Segundo a última pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, divulgada no ano passado, o brasileiro (considerado leitor) lê em média 4,7 livros por ano. Há oito ano, o índice era ainda pior: apenas dois livros por pessoa ao ano. Se excluirmos a literatura (quase) obrigatória – aquela demandada pelas escolas -- a dedicação à leitura de outros títulos é minúscula (não chega a 2 livros). Sem dúvida, é preciso levar em conta os problemas sociais da população brasileira, em que mais de 11% ainda é considerada analfabeta. Mas lanço aqui o desafio. Você, que se entrou neste blog é porque tem algum interesse em literatura, quantos livros lê por ano? Livros que não sejam relacionados ao trabalho ou à vida escolar? Cinco? Dez? A falta de tempo costuma ser a desculpa número 1 das pessoas que eu conheço para justificar a ausência de leituras. Para assistir à TV ou para passar o tempo na Internet, o tempo não é assim tão insuficiente. Percebo – cada vez mais – que o brasileiro não gosta mesmo de ler. É chato para muitos, toma um tempo absurdo para outros. E isso é triste. Sem a leitura, perdemos as referências, perdemos o poder da argumentação, perdemos a crítica, a capacidade de análise e, até, de julgamento. Perdemos, sobretudo, o vocabulário. Esquecemos das palavras. Tornamo-nos limitados para falar, para nos expressar, para escrever. A ausência de leitura simplesmente nos emburrece. Torna-nos menores. (Daniela Diniz)

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

O amor, segundo Saramago

Disse que Memorial do Convento tem uma das mais belas histórias de amor que já li. Abaixo segue citação pinçada do livro, para confirmar minha afirmação. Repare que, apesar do estilo difícil, que usa a vírgula como se fossem todos os pontos a que temos direito (o de exclamação, de interrogação, o ponto final, a reticência, os dois pontos etc.), a construção das frases permite perceber quem fala o quê, onde há pausa, onde há ênfase. É o jeito saramaguiano de narrar. De uma beleza que lhe rendeu o Prêmio Nobel de Literatura, em 1998. (Leda Balbino)

“(...) aí vem justamente uma mulher, e onde nós víamos um homem velho, vê ela um homem novo, o soldado a quem perguntou um dia, Que nome é o seu, ou nem sequer a esse vê, apenas a este homem que desce, sujo, canoso e maneta, Sete-Sóis de alcunha, se a merece tanta canseira, mas é um constante sol para esta mulher, não por sempre brilhar, mas por existir tanto, escondido de nuvens, tapado de eclipses, mas vivo, Santo Deus, e abre-lhe os braços, Quem, abre-os ele a ela, abre-os ela a ele, ambos, são o escândalo da vila de Mafra, agarrarem-se assim um ao outro na praça pública, e com idade de sobra, talvez seja porque nunca tiveram filhos, talvez porque se vejam mais novos do que são, pobres cegos, ou porventura serão estes os únicos seres humanos que como são se vêem, é esse o modo mais difícil de ver, agora que eles estão juntos até os nossos olhos foram capazes de perceber que se tornaram belos.”

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

O papel do ensino

O comentário de Kárita, no meu post abaixo, me fez questionar o papel dos cursinhos no despertar do interesse pela leitura ou por um autor específico. E, ao me questionar, lembrei-me de uma aula específica de literatura de meu cursinho, há 14 anos. Nessa aula, o professor – de quem esqueço o nome para só me recordar do rosto redondo com armação de óculos idem – tinha a tarefa de nos relatar a história de Memorial do Convento, do português José Saramago. Acontece que o professor não relatou o livro. Ele o narrou, com gestos grandiosos nos momentos que o pediam, com outros comedidos quando exigidos e com o olhar maravilhado daqueles que sabem as palavras. E o que ficou gravado mais nitidamente na memória foi sua narração do final do livro, quando Blimunda finalmente reencontra seu grande amor, Baltasar, após muito caminhar em nove anos de busca. Vítima das fogueiras da Inquisição (ressurgida em Portugal no século 18, sob auspício de D. João V), Baltasar arde entre outros dez condenados. Blimunda o reconhece por sua marca registrada – a ausência da mãe direita – e, como tinha o poder de ver as pessoas por dentro quando em jejum, vê no centro de seu corpo uma nuvem fechada (que Saramago chama de "vontade", mas bem podemos interpretar como sua essência, ou alma). Além de ver as pessoas por dentro, Blimunda tinha outro poder: podia reter na Terra a "vontade" daqueles à beira da morte. Se fizera isso com tantos outros, por que não com seu amor? Então, olhando a nuvem fechada, a convoca: “Vem”. A consequência deixo narrada nas palavras do próprio autor: “Desprendeu-se a vontade de Baltasar Sete-Sóis, mas não subiu para as estrelas, se à terra pertencia e a Blimunda.” Para narrar essa parte, o professor representou a "vontade" de Baltasar com suas mãos, interrompendo sua ascensão aos céus para devolvê-las ao centro do corpo e depois projetá-las para frente, representando o caminho final em direção a Blimunda. Nunca esqueci de seus gestos e olhares enquanto nos narrava a obra, uma das histórias de amor mais bonitas que já li. E, apesar de já saber o começo, o meio e o fim do livro, tornou-se urgente a experiência de lê-lo com meus próprios olhos. Se havia maravilhado tanto meu professor, por que não a mim? (Leda Balbino)

terça-feira, 18 de agosto de 2009

As Palavras de Clarice

Foi lançado neste mês pela Oxford University Press o livro Why This World, biografia da escritora Clarice Lispector escrita pelo americano Benjamin Moser. Com 32 anos, Moser dedicou cinco anos à obra e, para escrevê-la, contou com a ajuda dos parentes e amigos de Clarice e viajou para a Ucrânia, país de origem da autora, para colher mais dados para a biografia. Fluente em oito idiomas, a paixão de Moser pela escritora começou na década de 90, quando leu A Hora da Estrela durante um curso de português na Universidade de Brown. Nascida como Chaya (ou vida, em hebraico) em 1920, Clarice só foi chamada de Clarice quando sua família imigrou para o Brasil, depois de escapar da fome no Leste Europeu e dos pogroms – perseguições aos judeus durante a Revolução Russa, em 1917, e sua subseqüente Guerra Civil. Ela era a mais jovem de três filhas, tendo sido concebida por causa de uma crença da região nativa da família de que a gravidez purificava o corpo da mãe. Segundo depoimentos colhidos por Moser, sua mãe Mania (no Brasil, Marieta) havia contraído sífilis ao ser estuprada por soldados russos. A morte dela em 1930 estaria diretamente ligada à decisão de Clarice de se tornar escritora, opina Moser. “Quando menina, ela contava histórias em que um deus ex-machina aparecia para curar a mãe”, disse em entrevista ao Estado (http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20090816/not_imp419423,0.php).Clarice explicou essa sensação de “fracasso” em A Descoberta do Mundo: “Fui deliberadamente criada: com amor e esperança. Só que não curei minha mãe. E sinto até hoje essa carga de culpa: fizeram-me para uma missão determinada e eu falhei. Como se contassem comigo nas trincheiras de uma guerra e eu tivesse desertado. Sei que meus pais me perdoaram eu ter nascido em vão e tê-los traído na grande esperança. Mas eu, eu não me perdoo.” Essa angústia, diz Moser, gerou em Clarice o “desejo de salvar o mundo pela palavra”. Obs.: Ainda sem título em português, Why This World será publicado no Brasil pela Cosac Naify em novembro, com material fotográfico inédito sobre a escritora. (Leda Balbino)

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

A FUNÇÃO DO ESCRITOR


Meu primeiro contato com o escritor uruguaio Eduardo Galeano ocorreu em 1994, quando tinha 16 anos e trabalhava na então recém-aberta livraria de meu pai. Andando ao longo das estantes da loja, deparei-me com um título que imediatamente chamou minha atenção: O Livro dos Abraços. Peguei o volume nas mãos crente de que se tratava de uma espécie de manual ou guia científico detalhando as propriedades terapêuticas do abraço. Enganei-me. Ao virar o livro para ler sua contracapa, o seguinte texto me recebeu:

A Função da Arte/ 1
Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul.
Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando.
Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.
E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:
– Me ajuda a olhar!

Depois de também ficar muda de beleza, folheei as páginas do livro, à busca de outros singelos instantes literários, tão bem contidos em textos curtos. E os encontrei. Como não poderia deixar de ser, comprei o livro e ele me levou a outros tantos do mesmo autor, o primeiro a quem fui fiel. Hoje, apesar de meus olhos amadurecidos serem mais críticos com sua literatura do que antes, Galeano ainda me emociona, tantas vezes. Abaixo seguem alguns exemplos do porquê.

“Perdi várias coisas em Buenos Aires. Pela pressa ou por azar, ninguém sabe onde foram parar. (...) Não me queixo. Com tantas pessoas perdidas, chorar pelas coisas seria desrespeitar a dor.” (Dias e Noites de Amor e de Guerra)

“Quando é verdadeira, quando nasce da necessidade de dizer, a voz humana não encontra quem a detenha. Se lhe negam a boca, ela fala pelas mãos, ou pelos olhos, ou pelos poros, ou por onde for. Porque todos, todos, temos algo a dizer aos outros, alguma coisa, alguma palavra que merece ser celebrada ou perdoada pelos demais.” (O Livro dos Abraços)

“(...) da pena que dá sentir-se estrangeiro e andar à intempérie e sozinho e não ter a quem dizer isso, nem conhecer as palavras.” (A Canção de Nossa Gente)

“Chegará a hora de ficar triste. Anos para ficar triste. E toda a morte, que é tão longa. Agora não. Não temos direito.” (A Canção de Nossa Gente)

“(...) há tantas coisas que você vai ter que aprender, Tavito. As coisas invisíveis, as difíceis, a brecha que espera por você entre o desejo e o mundo: você apertará os dentes, resistirá, nunca pedirá nada. Não se vive para vencer os outros, Tavito. Vive-se para se dar.” (Vagamundo)

“A Função do Leitor/1
Quando Lucia Peláez era pequena, leu um romance escondida. Leu aos pedaços, noite após noite, ocultando o livro debaixo do travesseiro. Lucia tinha roubado o romance da biblioteca de cedro onde seu tio guardava os livros preferidos.
Muito caminhou Lucia, enquanto passavam-se os anos. (...) Muito caminhou Lucia, e ao longo de seu caminhar ia sempre acompanhada pelos ecos daquelas vozes distantes que ela tinha escutado, com seus olhos, na infância.
Lucia não tornou a ler aquele livro. Não o reconheceria mais. O livro cresceu tanto dentro dela que agora é outro, agora é dela.” (O Livro dos Abraços) -- Leda Balbino

terça-feira, 4 de agosto de 2009

TRIBUTO

Como se obtém o hábito de leitura? Com certeza é necessário ter pessoas que nos estimulem desde pequenas. No meu caso foi meu pai. Migrante de Arapiraca, Alagoas, meu pai foi analfabeto até os 20 anos de idade, quando se deixou levar por seu autodidatismo e aprendeu a ler sozinho usando os anúncios luminosos das ruas de São Paulo. E por ter sido privado na infância e na adolescência da liberdade de ler, meu pai acabou tornando-se um entusiasta da educação e da importância que os livros têm na formação de uma pessoa. Desde pequena ouvia sua insistente repetição “É importante ler livros; educar para crescer”, ou qualquer outra frase que tivesse alguma oração com livro e educação. Como não deixo de ser obediente, apesar de toda minha aparente rebeldia, segui seus conselhos. Ou recorri aos livros porque queria agradá-lo ou não decepcioná-lo ou deixá-lo orgulhoso. Bom, qualquer que seja o motivo, devorei os 17 volumes da edição antiga da coleção infantil de Monteiro Lobato, aquelas de capa dura e poucas ilustrações. Como “só um livro lido nos pertence realmente” (Eno Teodoro Wanke), a coleção inteira – que habitou minha infância de Narizinho, Emília, Dona Benta, Pedrinho, Visconde de Sabugosa, Anastácia – acompanha-me hoje, na estante de minha casa. Meu pai soube que ela me pertencia: só eu de seus seis filhos a leu inteira. E posso dizer que foi essa coleção, as palavras de Monteiro Lobato, que me mostraram que a vida é muito mais do que nossa própria vida. Não estamos sozinhos. Por isso agradeço meu pai. Agradeço sua percepção imensa, mesmo com seus primeiros 20 anos de solidão sem palavras lidas, de que ler nos salva de nós mesmos. Essa é a melhor herança que qualquer pai pode deixar a um filho. (Leda Balbino)