segunda-feira, 10 de agosto de 2009

A FUNÇÃO DO ESCRITOR


Meu primeiro contato com o escritor uruguaio Eduardo Galeano ocorreu em 1994, quando tinha 16 anos e trabalhava na então recém-aberta livraria de meu pai. Andando ao longo das estantes da loja, deparei-me com um título que imediatamente chamou minha atenção: O Livro dos Abraços. Peguei o volume nas mãos crente de que se tratava de uma espécie de manual ou guia científico detalhando as propriedades terapêuticas do abraço. Enganei-me. Ao virar o livro para ler sua contracapa, o seguinte texto me recebeu:

A Função da Arte/ 1
Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul.
Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando.
Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.
E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:
– Me ajuda a olhar!

Depois de também ficar muda de beleza, folheei as páginas do livro, à busca de outros singelos instantes literários, tão bem contidos em textos curtos. E os encontrei. Como não poderia deixar de ser, comprei o livro e ele me levou a outros tantos do mesmo autor, o primeiro a quem fui fiel. Hoje, apesar de meus olhos amadurecidos serem mais críticos com sua literatura do que antes, Galeano ainda me emociona, tantas vezes. Abaixo seguem alguns exemplos do porquê.

“Perdi várias coisas em Buenos Aires. Pela pressa ou por azar, ninguém sabe onde foram parar. (...) Não me queixo. Com tantas pessoas perdidas, chorar pelas coisas seria desrespeitar a dor.” (Dias e Noites de Amor e de Guerra)

“Quando é verdadeira, quando nasce da necessidade de dizer, a voz humana não encontra quem a detenha. Se lhe negam a boca, ela fala pelas mãos, ou pelos olhos, ou pelos poros, ou por onde for. Porque todos, todos, temos algo a dizer aos outros, alguma coisa, alguma palavra que merece ser celebrada ou perdoada pelos demais.” (O Livro dos Abraços)

“(...) da pena que dá sentir-se estrangeiro e andar à intempérie e sozinho e não ter a quem dizer isso, nem conhecer as palavras.” (A Canção de Nossa Gente)

“Chegará a hora de ficar triste. Anos para ficar triste. E toda a morte, que é tão longa. Agora não. Não temos direito.” (A Canção de Nossa Gente)

“(...) há tantas coisas que você vai ter que aprender, Tavito. As coisas invisíveis, as difíceis, a brecha que espera por você entre o desejo e o mundo: você apertará os dentes, resistirá, nunca pedirá nada. Não se vive para vencer os outros, Tavito. Vive-se para se dar.” (Vagamundo)

“A Função do Leitor/1
Quando Lucia Peláez era pequena, leu um romance escondida. Leu aos pedaços, noite após noite, ocultando o livro debaixo do travesseiro. Lucia tinha roubado o romance da biblioteca de cedro onde seu tio guardava os livros preferidos.
Muito caminhou Lucia, enquanto passavam-se os anos. (...) Muito caminhou Lucia, e ao longo de seu caminhar ia sempre acompanhada pelos ecos daquelas vozes distantes que ela tinha escutado, com seus olhos, na infância.
Lucia não tornou a ler aquele livro. Não o reconheceria mais. O livro cresceu tanto dentro dela que agora é outro, agora é dela.” (O Livro dos Abraços) -- Leda Balbino

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