Com sua figura diminuta, a escritora chinesa Xinran mal foi percebida quando entrou no estúdio de gravação do programa Roda Viva, da TV Cultura, no dia 8. Meus olhos bateram nela sem querer, ainda atordoados pelos outros sentidos, que tentavam se acostumar à balbúrdia das câmeras, holofotes, passagem de som, posicionamento de microfones, TVs atuando como espelhos e meu próprio pensamento obcecado em memorizar as perguntas que gostaria de fazer. Quando ela finalmente levantou a cabeça para terminar seu cumprimento à bancada de entrevistadores, seus olhos perceberam a distração geral, mas esta durou só até o momento em que ela se sentou e compartilhou sua história. Xinran não escreve ficção. A escrita a que se entregou desde 1997, quando se mudou para Londres para esquecer os fantasmas da Revolução Cultural (1966-1976), tem o objetivo de preservar a memória da população chinesa - e, consequentemente, a versão extraoficial da história cultural, comportamental e política de seu próprio país. Seu livro de estreia, "As Boas Mulheres da China", é uma mescla de sua biografia com as vidas de chinesas cujos dramas lhe foram primeiramente relatados em cartas enviadas a um programa de rádio. Apresentado por Xinran durante sete anos (1988 a 1995), o "Palavras na Brisa Noturna" chegou a receber diariamente mais de 200 cartas de ouvintes que aceitaram o convite de discutir a situação da mulher na China moderna. As cartas foram o estímulo de que a autora precisava para empreender jornadas pelo seu país, compilando relatos de pessoas comuns para dar origem a outros livros, como "Enterro Celestial" e "Testemunhas da China", lançado neste ano no Brasil. Apesar de viver no Reino Unido, Xinran frequentemente visita seu país natal. "Como trabalhar com algo tão passível de incoerências e contradições como a memória? Como obter o relato preciso?", perguntei à autora. Xinran, que só escreve em chinês - "porque preciso escrever na voz dos chineses, da maneira como falam" -, respondeu que seu termômetro é a emoção. "Quando ficam verdadeiramente emocionados, é sinal de uma memória profunda", afirmou. Há alguns anos, ela deu outra dica sobre seu método de trabalho, confidenciando que a disposição de ouvir e de confrontar sua própria história são a base para conseguir os testemunhos de seus livros. "Relato minha vida e deixo que sintam que sou um deles. Passo tempo aprendendo uma vida diferente da minha. Enquanto me ensinam, me dizem 'como, onde, por quê, quem e o que' de suas experiências pessoais. Ouvir me ajudou a conseguir vários amigos fiéis."
Obs.: Xinran esteve no Brasil para participar da Festa Literária Internacional de Paraty. O programa Roda Viva ainda não tem data para ir ao ar. (Leda Balbino)
quinta-feira, 16 de julho de 2009
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